No museu casa onde residiu e faleceu Benjamin Constant morava uma notável mulher. Não faz muito tempo, relembramos o papel preponderante que teve Maria Joaquina para a nossa história. Neste 8 de março, em que celebramos as mulheres e reforçamos a necessidade da luta por igualdade, vamos falar novamente sobre ela e sobre sua irmã mais velha, Olympia.
Maria Joaquina e Olympia eram filhas do professor Claudio Luís da Costa, então diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e homem algo importante na Corte Imperial. Enquanto o pai é conhecido, não se sabe o nome da mãe. É muito provável que Claudio as tenha adotado. Olympia se tornaria esposa do poeta Gonçalves Dias, e era chamada de “mamãe” por sua irmã mais nova. Essas meninas, que aparentemente não foram abençoadas com a presença da mãe, visitaram um estúdio em 1854 para um registro fotográfico. O daguerreótipo colorizado foi feito por ocasião de uma viagem à Europa, em que Olympia acompanhou seu marido pesquisador e poeta.
As duas em pose praticamente idêntica, Maria Joaquina parece bastante desconfortável e insatisfeita, enquanto Olympia segura numa das mãos um ramo de flor que, na simbologia dos objetos do século XIX, caracterizava o universo feminino. Poderíamos sugerir que esta é uma imagem de mãe e filha. A ausência de uma mãe biológica, a diferença de idade, o papel Olympia desempenhava na vida de Maria Joaquina são fatores que apontam para essa maternidade prática.
Passa o tempo e Maria Joaquina cresce. A história traz para a escola de seu pai um jovem professor de matemáticas. Era Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Casa-se com ele. Em breve o marido se tornaria uma figura pública, diretor do Instituto de Cegos, Fundador da República, como quiseram seus seguidores e admiradores. Eis que, nessa rede de poderes e sucessos masculinos, aparece Maria Joaquina como uma espécie de heroína republicana. Quando da sua morte, em 1921, um grupo de discípulos de Benjamin retoma a trajetória do casal na seguinte narrativa:
“Um episodio tocante comprovará eternamente o estoicismo dessas duas almas de eleição, irmanando Benjamin Constant a Tiradentes e Maria Joaquina ás mais famosas heroinas da nossa historia: Na madrugada de 15 de Novembro, já formada no antigo Campo de Sant’Anna a força com que o governo da Monarchia contava reprimir a revolução nascente, Benjamin teve de sahir pelos fundos de sua caza e, atravessando em companhia da Esposa o extenso quintal que ia do referido Campo á rua do Senado, fez-lhe ao portão a ultima despedida com estas palavras memoraveis: “Quando chegar a noticia da minha morte queime todos aquelles papeis que lhe confiei.” Esse papeis eram os documentos da agitação republicana. Benjamin Constant mostrava assim querer salvar os companheiros de jornada em caso de desastre, assumindo ele só, como outr’ora Tiradentes, a responsabilidade do movimento.”(MIRANDA, Manoel. Culto civico. FBC/AR Homenagens a Maria Joaquina da Costa Botelho de Magalhães. Museu Casa de Benjamin Constant, IBRAM/MinC, p. 3)
Esses são fatos que, hoje, dificilmente poderíamos comprovar. Mas vamos imaginar que tenha ocorrido a dramática despedida. Como deve ter sido doloroso para Maria Joaquina ver-se viúva, com 4 filhas moças e um filho, num Rio de Janeiro em ebulição política, sendo seu marido a fonte de renda da família! E se o golpe falhasse e fosse Benjamin atirado no descrédito dos traidores da pátria? O destino de uma mulher, nas mãos de homens.No imaginário positivista, Maria Joaquina foi elevada a heroína, “veneranda senhora”, musa inspiradora.
Ela foi eternizada numa escultura de ferro que compõe o Monumento a Benjamin Constant. Ele, representado como líder do 15 de novembro de 1889 e como proponente e defensor da bandeira nacional. Ela sustenta a bandeira por trás do marido. A pose de Benjamin sugere ao mesmo tempo altivez e um olhar para o futuro. Maria Joaquina confunde-se com a bandeira, com a Pátria e com a República, com Marianne ou Clotilde de Vaux, todas essas figuras femininas que enriquecem o repertório de imagens políticas republicanas.
Todas essas representações, ainda que importantes, estão demasiadamente distantes de nós. A participação e a contribuição das mulheres para a produção da história ainda são pouco reconhecidas. E quando registradas, são muitas vezes ações dependentes ou vinculadas aos feitos masculinos. Olympia enfrentou alguns desafios públicos para limpar sua imagem de “má esposa”, mas pouco se falou dos abandonos que sofreu, com Gonçalves Dias constantemente em viagens e acumulando reconhecimentos por sua arte. Para a irmã caçula, foi uma verdadeira mãe. A face heroica de Maria Joaquina aparece em função das ações do marido. Está na hora de falarmos das mulheres reais e, sobretudo, de deixá-las falarem por si.
O Museu Casa de Benjamin Constant preserva inúmeras cartas de Maria Joaquina e de suas filhas. Há muito das personalidades e anseios dessas mulheres registrados nesses papéis. Ao olhar suas as imagens, elas também nos olham de volta, nos convidam a calar pois têm algo a nos dizer. Sentemos em frente a elas. Que histórias elas teriam a contar, neste 8 de março?