Na parte final, as discussões técnicas do evento. Confira
Bem, resta falar da parte técnica, já que nem tudo são flores – nem uvas… Um dos objetivos da missão foi promover a atualização do debate sobre educação e ação cultural em museus, comparando o état de l’art em âmbito internacional com a realidade brasileira. Nesse sentido, algumas constatações foram feitas:
1. Conquanto existam definições consensuais sobre o conceito de educação, há incerteza quanto ao de ação cultural. Numa definição oferecida no evento por Theodorus Meereboer, “educação é o processo de auxiliar as pessoas para aprender, formar suas próprias identidades em contextos sociais, tornando-se cidadãos responsáveis. Nesse processo, somos mais mediadores e menos professores detentores do saber” (Meereboer, Bridge the gap, how the SET model helps museums with cultural action and activism). Meereboer defendeu que os museus construam e sigam modelos que fomentem engajamento social e aprendizado participativo. Mesmo com essa proposta interessante, Meereboer e outros participantes não fizeram grande distinção entre ação cultural e ativismo, o que leva a duas novas constatações:
a) uma rejeição da ideia de ação cultural por parte daqueles que veem no conceito uma herança marcadamente francesa da década de 1960 (esses foram os mais críticos das discussões conceituais e do Vocabulary lançado no evento);
b) uma separação entre ação cultural e ativismo apenas entre aqueles que assumem uma perspectiva marcadamente paulofreireana*, para quem educação sem teoria da cultura redunda em mero ativismo. Nesses casos, a ação cultural é valorizada na medida em que não está descolada dos processos educativos (ainda que não sejam a mesma coisa), ou seja, não são pensadas e realizadas com o caráter efêmero dos ativismos culturais, mas procuram promover transformações duradouras e com desdobramentos sociais perceptíveis.
*Nota: Paulo Freire foi um educador, pedagogo e filósofo brasileiro. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. É também o Patrono da Educação Brasileira.
2. Comparando os movimentos internacionais em torno da educação em museus, avalio que o Brasil encontra-se num grau de maturidade mais avançado que boa parte dos países que ainda não dispõe de uma política pública estruturada para o campo. Boa parte das experiências de sucesso apresentadas são iniciativas das instituições museológicas, sem necessariamente fazerem parte ou seguirem políticas públicas pensadas coletiva e democraticamente nas sociedades. Todas estão conectadas com noções de museus com propósitos sociais, porém pude observar que muitos projetos limitam as ações educativas ao relacionamento com as escolas, e as ações culturais são aquelas que abrangem o público mais diversificado.
Quanto a essa questão, a PNEM do Brasil distingue claramente entre as duas coisas, não entendo educação como ação cultural. Entretanto, por assumir os marcos conceituais paulofreireanos e os da museologia social, supera a noção de museus como extensões da escola, entendendo-o como espaço a ser articulado com a educação formal, mas com capacidade e necessidade de autonomia para atuar no meio cultural onde habita, inclusive como unidades de resistência aos processos antidemocráticos e autoritários que vêm ganhando espaço nas escolas brasileiras e, de fato, na sociedade. No Brasil, temos definido estas ações no marco da democracia participativa, que deve caracterizar também os museus. Isto está claramente manifesto na PNEM:
“O planejamento participativo deve ser visto como um jogo, meio e fim, onde todos os lados das micro e macropolíticas institucionais ou das organizações sociais ficam expostos. Mas, sem dúvida, ele é parte de uma prescrição terapêutica emergencial para o contemporâneo. Os planejamentos participativos devem ser reconhecidos como instrumentos de luta contínua, mediação e transformação da realidade social dentro de uma estrutura viva com lentes multifocais que contemplem suas singularidades, considerando caso a caso os riscos de contaminação microfascista presentes nas relações humanas. (Ibram, Caderno da Política Nacional de Educação Museal, p. 92)”
Fiquei orgulhoso dos meus colegas que participaram ativamente da confecção da PNEM. A demanda para traduzir o documento para os idiomas do ICOM é motivo de festa e indicador de que estamos no caminho certo. Esta ação, no meu entender, pode ser executada em parceria com outros países interessados, na medida em que se encontram atualmente necessitados de uma política mais sistematizada de educação em museus. Devem-se negociar as condições e atribuições de cada parte na confecção dessas versões.
Termino encorajando a todos para que os projetos dos setores educativos do Ibram busquem fomento nos editais do CECA. As regras estão disponíveis na plataforma do órgão e contemplam Best Practices and Research (‘Melhores Práticas e Pesquisa’, respectivamente)
Finalmente, devo registrar minha satisfação por ter participado do evento. Uma imersão de 5 dias nas questões educativas dos museus, a partir de experiências tão diversas e ricas, apresentou várias possibilidades de trabalho e novos desafios para o trabalho no museu onde atuo. É necessário valorizar o esforço do Ibram em oferecer essa oportunidade, bem como reafirmar a necessidade de mais editais semelhantes que possam contemplar outros colegas do campo museológico brasileiro. Ah, sim e reforçando: O IBRAM FICA!