O 15 de novembro e a transição de governo
Há 133 anos, o Brasil punha fim à Monarquia e se tornava uma República. O movimento civil-militar de 15 de novembro de 1889, que promoveu a mudança de regime, contou com a participação de intelectuais, políticos, profissionais liberais e militares, entre os quais estava Benjamin Constant, ele mesmo membro do Exército e do corpo intelectual brasileiro do fim do século XIX.
Benjamin foi professor de Matemática e sua carreira foi marcada pela base científica (sobretudo positivista) que sustentava a sua dedicação à formação dos jovens brasileiros e uma profunda fé na educação como caminho para a cidadania. Por sua atuação estratégica na preparação do 15 de novembro e por sua capacidade de interlocução entre os grupos militares e civis, Benjamin veio a fazer parte do Governo Provisório, organizado e implantado para cuidar da transição política que se fazia necessária depois da Proclamação da República.
O maior desafio do Governo Provisório foi a organização de uma Assembleia Constituinte, que deveria produzir uma nova Carta Magna para a República. Pessoalmente, o maior desafio que Benjamin colocou para si próprio foi a reforma do sistema de ensino do país, o que conseguiu executar como Ministro da Instrução Pública (equivalente ao Ministro da Educação da atualidade). Mas, poderíamos perguntar, o que uma nova constituição tem a ver com a promoção da educação?
Vicente de Souza, contemporâneo de Benjamin, médico e intelectual engajado na causa abolicionista, republicana e democrática, tinha dúvidas acerca da viabilidade de eleições universais no Brasil de 1890, período em que ainda vigia o Governo Provisório. Em resposta a uma proposta de voto popular para deputados e senadores e para validação da nova Constituição por plebiscito, afirmava que o Brasil não estava política e intelectualmente preparado para votar livremente. Seu texto foi publicado em 21 de março de 1890, no jornal carioca Democracia.
Vicente de Souza temia que as elites estaduais, muitas delas monarquistas, instrumentalizariam o eleitorado para fazer valer seus projetos próprios e minar o ainda recente projeto republicano. Temia, também, a incapacidade do Governo Provisório de organizar e proteger o processo de voto num país vastíssimo e sem a devida rede de comunicação. Souza apontava, sobretudo, a inexistência de uma robusta imprensa livre e a falta de instrução do povo para dizer sim ou não aos artigos da Constituição. Ele perguntava a seus interlocutores se, como ele próprio, não receavam as “procellas que se hajam de desencadear nas urnas, onde se grupem milhares de cidadãos, muitos dos quaes inaptos, exaltados, indisciplinados, incompetentes, que quererão que as suas opiniões prevaleçam por força”.
Vicente de Souza era contrário ao atropelo do processo. Na medida em que reconhecia a necessidade do voto e da Constituição, defendia também a educação do povo, o investimento no preparo intelectual dos eleitores e a contenção dos oportunismos eleitorais proporcionados pelos “homens gastos” do regime político anterior, que “sitiavam o governo provisório” e se valiam do “madeiramento podre que desabou dos edifícios” do antigo governo.
Benjamin Constant, que teve como última missão a reforma do sistema educacional do país, defendia a ideia de que “o engrandecimento da República repousa essencialmente sobre a educação”. Não estava errado e, nesse ponto, convergia com Vicente de Souza. Quais seriam os instrumentos educativos eficazes que dotariam um povo de uma cultura política democraticamente saudável?
Vivemos hoje mais um 15 de novembro. Esse é mais especial por ser celebrado em meio à transição de governo, como pede a democracia e a transferência de poder num regime republicano. Assim como em 1889 e 1890, o país vive um momento importante e temos muito o que avançar no campo da cidadania política. Felizmente, alguns dos temores de Vicente de Souza perturbam cada vez menos. Não sofremos mais a total ausência de proteção do processo de voto no Brasil, país que tem um dos sistemas eleitorais mais confiáveis e respeitados do mundo. Mas ainda combatemos a imposição de opiniões dos cidadãos indisciplinados nas urnas, através da força, problema identificado pelo nosso autor, em 1890.
Hoje, depois de décadas de exercício democrático intermitente, celebramos a possibilidade de rememorar a Proclamação da República durante mais uma transição, após as urnas terem registrado as vontades populares para as casas legislativas e para o executivo federal. Desejamos um feliz 15 de novembro, uma transição pacífica e um povo cada vez mais educado no exercício da democracia.