Sexta-Feira. O Brasil acordou monarquista e foi dormir republicano. Jamais houve na História do país uma ruptura política tão inesperada. Movimento político militar que acaba com o Brasil imperial e instaura no país uma República federativa. A versão oficial conta que a Proclamação da República foi feita pelo marechal Deodoro da Fonseca no dia 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro. Ocorreu na então capital do Império do Brasil, na praça da Aclamação, hoje Praça da República, quando um grupo de militares do Exército brasileiro, liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca, deu um golpe de estado sem o uso de violência, depondo o Imperador D. Pedro II.
Muitos dos republicanos eram jornalistas, portanto vários dos participantes dos episódios do dia 15 de novembro deixaram relatos sobre os fatos. Nem por isso existe hoje uma verdade estabelecida acerca da Proclamação da República, há versões conflitantes, hiatos inexplicáveis. Permanece, no entanto, o essencial da história: naquele dia 15, cai o Império e nasce a República. Caiu o Império praticamente sem sangue. Não levavam bandas nem fanfarras, pois as tropas eram poucas e os músicos se incorporaram a elas.
No próprio dia 15, Aristides Lobo escreveu um artigo para o Diário Popular, a respeito de proclamação da República: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava. Muitos acreditavam estar vendo uma parada”, diz o ministro do Interior em seu artigo, com uma sinceridade e uma capacidade de síntese notáveis. A população carioca realmente contemplou tudo aquilo bestificada, assim com relatou José Murilo de Carvalho em seu livro Os bestializados -O Rio de Janeiro e a República que não foi.
Quem proclamou a República brasileira? Quantas versões existem sobre esse ato? A quem dar o crédito histórico dessa mudança de regime?
Os historiadores não costumam dar créditos a pessoas: para eles, são os processos históricos que criam conjunturas favoráveis à ocorrência de determinados fenômenos que entram para os anais da História. O processo que levou ao fim da Monarquia é fortemente determinado pela Guerra do Paraguai e pela consequente ascensão do Exército na cena social e política do país; pela perda do apoio da Igreja Católica ao regime monárquico após a Questão Religiosa (quando os bispos do Pará e de Olinda foram presos por obedecerem a ordens do Papa, as quais deveriam ser, no Brasil, previamente validadas por Dom Pedro II); pelo crescimento do Partido Republicano e da ideologia positivista; e pela Abolição da Escravatura.
Não obstante a larga aceitação desse conjunto de fatores para o fim da Monarquia, houve, e ainda há na historiografia brasileira, uma luta renhida pelo estabelecimento de uma versão oficial para o 15 de novembro de 1889, que conceda protagonismo a determinadas pessoas em detrimento de outras. A história cívica de um país é comumente formada por “heróis nacionais”. Em relação à mudança de regime de 1889, grupos antagônicos buscaram, portanto, um “pai da República” e o estabelecimento de um “mito de origem”. As disputas para o estabelecimento desse mito, fenômeno que sempre solidifica uma versão dos fatos, opuseram os republicanos históricos e civis contra o grupo militar. E entre os dois grupos, ainda havia oposição entre a versão positivista e a versão liberal de República. Isso ocorria porque, como afirma o historiador José Murilo de Carvalho, não havia uma definição clara sobre que tipo de república se queria para o país: se liberal, positivista ou jacobina.
Nesse conflito para definição do novo regime, os representantes de cada grupo promoviam uma dança de adjetivos. Aqueles que defendiam a participação decisiva do marechal Deodoro da Fonseca, o chamam de “pai da República”, ou “proclamador”. Dessa forma, ao colocar em jogo a definição dos papéis de cada ator, e os adjetivos que cada um ganharia, também estava em jogo a definição da própria natureza do novo regime.
Há dúvidas, até hoje, se Deodoro chegou a proclamar a República naquele dia 15. O marechal nunca fora republicano, mas compreendia que o Exército merecia mais atenção do Estado, tanto em importância social e política quanto em aumento de soldos.
Os verdadeiros conspiradores eram os jovens oficiais, alunos das escolas militares, que souberam como trazer o marechal Deodoro para o campo republicano, afirmando que o governo monárquico perseguia o Exército e favorecia a Guarda Nacional. Se para os republicanos históricos o novo regime viria após a morte de Dom Pedro II, para os militares – majoritariamente os jovens por demais descontentes – o processo deveria ser antecipado, principalmente após os boatos do dia 14 de que Deodoro e Benjamin seriam presos. Os soldados se aquartelaram no Campo de Santana, onde ficava o quartel general, e passaram a gritar vivas à República.
Quando Deodoro chegou ao Campo, teria determinado que eles se calassem. Deodoro teria dado ordem para que os portões do quartel fossem abertos e dirigiu-se ao chefe do gabinete do Império, Visconde de Ouro Preto, fazendo longo discurso sobre a perseguição do governo ao Exército e declarando deposto o ministério de Ouro Preto; Benjamin estava ao seu lado. Não há registro de que Deodoro tenha proclamado a República naquela ocasião. Ele ainda precisou voltar para casa, pois estava doente. No entanto, alguns republicanos, nas ruas, passaram a gritar vivas ao novo regime.
Embora fosse admirador confesso da Princesa Isabel, foi José do Patrocínio, jornalista e político civil, quem seguiu em direção à Câmara Municipal e proclamou a República. Patrocínio hasteou uma nova bandeira nacional feita pelo Clube Republicano Lopes Trovão. A bandeira republicana hasteada na Câmara era uma réplica da bandeira dos Estados Unidos, mas em cores verde e amarela, revelando o ideal de república liberal.
Os defensores de Benjamin creditam a ele o fato de o movimento ter sido uma verdadeira mudança de regime, uma revolução, e não uma mera quartelada com mudança de gabinete. Certamente, Benjamin Constant não receberia os títulos de “o catequista”, “o apóstolo”, “o doutrinador”, “o ídolo da juventude” e até de “o fundador da República”, se não tivesse algo de especial: carisma associado ao dom da palavra. O que se comentava, à época, era a verdadeira idolatria e veneração que lhe dedicavam seus alunos da Escola Militar. Era uma admiração próxima do fanatismo, que talvez poucos professores de Matemática tenham conseguido alcançar. Esse ídolo incitava seus alunos, os jovens militares, a desejarem um governo republicano. Esses jovens foram a força motriz do movimento, sabendo colocar a sua frente militares graduados, como Deodoro e o próprio Benjamin, para o liderarem com sucesso.